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Pessimismo em The Last of Us - Parte 2 (com spoilers)

Por Eulalio Ramos

The Last of Us – Parte 2, aesperada sequência do aclamado The Last of Us (2013) foi finalmente entregue aos fãs em junho de 2020. Enquanto para uns a The Last of Us – Parte 2 deixa sob a pele os sentimentos mais intensos que uma obra de arte pode extrair, para outros, foi um balde de água fria. “Meus personagens foram deturpados”, “forçaram a humanização da vilã”, “tentaram destruir a imagem do melhor personagem, que não merecia aquela morte horrível”. Essas e outras impressões denotam que o sentimento com The Last of Us – Parte 2 foi predominantemente o de ser um jogo pessimista. Claro, entre aqueles que não curtiram a experiência. Antes de continuar a sua leitura, saiba que este texto não é uma análise completa da obra, são apenas observações sobre certas críticas que o jogo vem recebendo e partes de uma experiência pessoal jogando.

Apesar de trágico e melancólico, The Last of Us – Parte 2 não é tão pessimista assim. Vamos direto ao ponto: se trata de camadas de interpretação, da mais simples à mais complexa, ou a que exige mais sensibilidade por parte do jogador. No primeiro jogo, podemos distinguir pelo menos dois níveis de interpretação, e ambos trazem extrema satisfação para o jogador quanto a qualidade da trama. O primeiro e mais simples nível, compreende o desenvolvimento de uma relação afetiva genuína entre Joel e Ellie, onde o jogador tende bastante para uma identificação mais pessoal com Joel, entendendo as suas motivações e concordando com seus atos de proteção; e o segundo nível, que observa o desenvolvimento de Joel e Ellie, os seus sentimentos e moralidade que mesmo contraditórios, coexistem, e que portanto os humaniza. Isso mesmo, a humanidade de Joel e Ellie nunca esteve apenas em atos bons, isso não define a totalidade do que é ser humano. Da mesma forma que Abby não recebe uma carga de bondade após conhecermos a sua trajetória. Eu não passei a amá-la instantaneamente, mas sim a entendê-la, o que é mais importante na apreciação geral da obra. A sua vingança é o ápice de uma pretensão humana que muitos de nós também faríamos se estivéssemos na pele dela desde o início da sua perda. O que ela recebe é um contexto, ao passo em que o jogo propõe ao jogador a apreciação narrativa por si só, e não por intermédio da concordância com este ou aquele.

O que mais me marcou na primeira parte de The Last of Us foi justamente a distorção que um homem quebrado como Joel pôde aplicar no seu amor sobre a Ellie. Ao retirá-la da sala de cirurgia, fiquei feliz, aliviado, mas com uma amarga convicção de estar fazendo a coisa errada. Sendo assim, esta segunda camada de interpretação diz respeito também aos impactos das ações dos personagens.

Em The Last of Us – Parte 2, a imersão mais simples e direta pode ser frustrante, sobretudo pelo fator de favoritismo sobre personagens já conhecidos. Créditos a Naughty Dog por criar personagens tão marcantes que os fãs chegam a crer que nunca baixariam a guarda. Mas o roteiro quis prejudicar deliberadamente o Joel e teve que reescrever a sua personalidade para isso? De modo algum. Essa impressão está presa àquela interpretação mais direta, onde o clubismo fala mais alto. Não é a toa que ninguém que desgostou da tenebrosa cena da morte de Joel reclamou da conveniência no fato de a Ellie sair em busca de um grupo específico de Lobos – existem quantos? Centenas? Milhares? – e ter dado de cara com fotos e nomes de todos eles. E nada disso chega sequer a prejudicar a trama, pois existem limites com os quais toda trama de jogo deve lidar em prol do gameplay. Não obstante, a retribuição direta sobre o episódio do hospital cai sobre Joel de uma forma que diz: ” o mundo que criamos nesse jogo não existe em função de um protagonista, ninguém está imune.”

Essas múltiplas interpretações podem soar então que se trata de um jogo menos acessível, muito rebuscado sentimentalmente e pouco agradável. E aqui vai uma análise mais pessoal sobre esse contexto: The Last of Us – Parte 2 nivela a crítica por cima. Não é minimamente negativo que uma obra de arte seja difícil de dissecar para além dos aspectos técnicos. Jogos com essa qualidade narrativa e imersiva impulsionam o paradigma narrativo de jogos de alto orçamento, que há muito tempo carecem de mais ousadia.

Sair de uma perspectiva unilateral levou algumas pessoas a um estado de negação de que um protagonista é mutável, mesmo que o primeiro jogo trate exatamente de um processo de mudança desse personagem.

The Last of Us – Parte 2 continua sendo sobre os seus personagens e o que os distingue e os transforma. Mergulhar para além de um aparente pessimismo na trama, nos faz entender que o direcionamento da vingança da Ellie é algo que ela mesma desconhece até certo ponto, o que fica explícito no seu diário de registros. Quando Ellie volta para o teatro em estado de choque após matar Nora, o modo como ela fala e age demonstra o quanto ela estava sendo consumida pela vingança. Com os flashbacks podemos ver que a culpa por não ter dado o perdão total a Joel teve um grande papel nisso. No confronto final, Abby já havia superado o ciclo de ódio e vingança, pois além de ter perdido tudo, já tinha ressignificado a sua motivação com Lev. Dito isso, é minimamente estranho que um reviewer ou um fã tenha ficado decepcionado com o objetivo central da vingança da Ellie não ter se concretizando, pois tudo que o jogo construiu em termos de impactos das ações teria sido jogado no lixo se Ellie não tivesse superado também o que a movia, isto é, se o seu arco emocional não tivesse sido completado. Melhor dizendo: seria um jogo de natureza genuinamente pessimista.

Até mesmo as possibilidades após esse final estão longe de ser pessimistas. Com o retorno dos Vagalumes, não é impossível que apareça outra pessoa capacitada para buscar uma cura. Ellie não vai carregar o fardo de ter ido até as últimas consequências, considerando a sua particularidade traumática. Apesar de ter ficado sozinha no fim de tudo, o simbolismo da cena final onde Ellie deixa para trás o seu violão, pode significar também que a morte de Joel deixou de ser traumática para ela, pois a chave para a superação de um trauma perpassa pela aceitação. Em suma, a obra retrata pessoas que superaram o ciclo de ódio e vingança sem grandes rupturas de personalidade (Abby), superações com muitos altos e baixos e nuances (Ellie), e pessoas que foram derrotadas e consumidas pela vingança ( Tommy ).

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